segunda-feira, 29 de junho de 2009

Grande Ilusão



A vida nada mais é que uma fita de cinema,

uma ilusão traiçoeira que se desenrola sucessivamente

do berço ao túmulo. Onde estão as lembranças do passado?

Pudestes tu retê-las? Onde estão as imagens do futuro?

Acreditas poder invocá-las? Em vez de te esforçares

no caminho da verdade, tu estais sentado aqui, estúpidamente,

a perder tempo com uma imagem ainda mais enganadora

que a própria vida, com uma história imaginária - uma ilusão

dentro de uma grande ilusão!


Paul Brunton



sexta-feira, 26 de junho de 2009

EVOLUÇÃO



Os fracos herdarão a Terra, mas não no sentido que queria a Bíblia, como prêmio à humildade e à contemplação. É que só os miseráveis de hoje estão preparados para enfrentarem qualquer crise. Eles estão treinando há gerações.


Pense um pouco. Quem tem mais possibilidade de agüentar uma crise total de combustível? Os pedestres, é claro. Os carroceiros. Algumas tribos nômades.


Você e eu, acostumados ao carro particular, ao táxi, ao ônibus seletivo e à carona — ao transporte automotor, enfim — não saberemos mais andar. Não teremos nenhuma chance contra quem se criou em filas do INPS e correndo para bater o ponto. Chegaremos, invariavelmente, por último, nos queixando dos calos.


E a crise de alimento? Quando só houver arroz, feijão e um pouco de farinha para cada cidadão, quem terá estômago para agüentar? Quem se acostumou desde pequeno, claro. Os subnutridos natos. Prevejo os hospitais cheios de novos-pobres sendo atendidos por saudáveis favelados.


— Tome a sua sopinha de aipim, vamos. O aipim é deste ano.

Eu mesmo lavei.


— Argh!


— Hoje ela tem até um pouquinho de sal. Coragem...


As forças vivas de hoje serão os marginais de amanhã. Associações de lavadeiras farão chás de capim beneficentes em prol das damas de sociedade com insuficiência calórica. Ex-zeladores de carro darão pequenas gorjetas e executivos para ficarem cuidando das crianças enquanto eles saem para fazer biscates. Os líderes desta nova sociedade serão os catadores de lixo — ou Técnicos em Reciclagem, na nova nomenclatura. O que descobrir mais coisas reaproveitáveis no meio do lixo será aclamado Homem de Visão do ano, com direito a um carroção particular puxado por três parelhas de profissionais liberais.


Cada privação criará a sua elite. Com a falta de energia elétrica teremos a ascensão dos ladrões, acostumados a andar no escuro. A crise da habitação favorecerá os que vivem embaixo de pontes. Estes venderão seu know-how financiado, mas a correção monetária será demasiada e haverá uma onda de despejos, para dentro do rio. Comece, portanto, a tratar melhor os miseráveis. Dê altas esmolas. Corteje os seus empregados. Seja caridoso. E se você é daqueles que dizem — “Não sei como essa gente consegue sobreviver” — procure descobrir e decore tudo. Para eles a crise sempre existiu. Eles têm uma prática!


Luís Fernando Veríssimo


quarta-feira, 24 de junho de 2009

Millôr Fernandes



Acreditar que não acreditamos em nada é crer na crença do descrer.


As pessoas que falam muito, mentem sempre, porque acabam esgotando seu estoque de verdades.


O cara só é sinceramente ateu quando está muito bem de saúde.


Quem mata o tempo não é assassino mas sim um suicida.


Quando todo mundo quer saber é porque ninguém tem nada com isso.


Este mundo só é chato em duas ocasiões: na guerra e na paz.


Esta é a verdade: a vida começa quando a gente compreende que ela não dura muito.


Toda uma biblioteca de Direito apenas para melhorar quase nada os dez mandamentos.


A única diferença entre a loucura e a saúde mental é que a primeira é muito mais comum.


Nada é mais falso do que uma verdade estabelecida.


Se é gostoso faz logo, amanhã pode ser ilegal.


Errar é humano. Ser apanhado em flagrante é burrice.


Eu também gosto de permissividade, Garotada.

Mas, aqui entre nós, E na alminha não vai nada?

terça-feira, 23 de junho de 2009

Verdadeira Religião



Os profetas ensinam um conjunto de leis que ajudam as massas a viverem num plano mais sublime, aproximando-as de Deus.


Aos poucos, porém, essas regras se transformam em artigos de fé de uma religião organizada e num ambicioso e servil sacerdócio. Enquanto seu fundador está vivo, a força propulsora e o idealismo dominam, mas, depois de sua morte a conduta se modifica e a religião decai gradualmente.


Essa é a razão pela qual tais organizações não podem de modo contínuo, aproximar-nos da verdade, e por isso a verdadeira religião é uma questão de foro íntimo.


Meher Baba


segunda-feira, 22 de junho de 2009

Vida em Manchetes



Viu só? Caiu outro avião.

- É. Desta vez foram 85 mortos.

- Já tomei uma decisão: nunca mais entro em avião.

- Bobagem.

- Bobagem é morrer.

- Então não entra mais em carro, também. Proporcionalmente, morrem mais pessoas em acidentes de...

- Mas não entrar em automóvel eu já tinha decidido há muito tempo! Você não notou que eu ando mais magro? É de tanto caminhar.

- Você caminha por onde?

- Como, por onde? Pela calçada, ué.

- Dá todo dia no jornal. “Ônibus desgovernado sobe na calçada e colhe pedestre. Vítima tinha jurado nunca mais entrar em qualquer veículo.” A chamada ironia do destino.

- Quer dizer que calçada...

- É perigosíssimo...

- O negócio é não sair de casa.

- E, é claro, mandar cortar a luz.

- Por que cortar a luz?

- Pensa num dedo molhado e distraído na tomada do banheiro. “Caiu da escada quando trocava lâmpada. Fratura na base do crânio.”

- Está certo. Corto a luz.

- “Tropeça no escuro e bate com a têmpora na quina da mesa. Morte instantânea.” E você vai cozinhar com quê?

- Gás.

- Escapamento. “Visinhos sentiram cheiro de gás e forçaram a porta: era tarde.” Ou: "Explosão de botijão arrasa apartamento.”

- Fogareiro a querosene.

- “Tocha humana! Morreu antes que...”

- Comida enlatada fria.

- Botulismo.

- Mando comprar comida fora.

- Espinha de peixe na garganta. Ossinho de galinha na traquéia. “Comida estragada, diarréia fatal!”

- Não preciso de comida. Vivo de injeções de vitamina...

- Hepatite...

- ... e oxigênio

- Poluição. “Autópsia revela: pulmão tava pior que saco de café.” Estrôncio 90 francês.

- Vou viver no campo, longe da poluição, do trânsito...

- Picada de cobra. Coice de Mula. Médico não chega a tempo.

- Não saio mais da cama!

- Está provado: 82 por cento das pessoas que morrem, morrem na cama. Não há como escapar.

- Mas eu escapo. A mim eles não pegam. Tenho um jeito infalível de escapar da morte.

- Qual é?

- Eu vou me suicidar.


Luís Fernando Veríssimo


sexta-feira, 19 de junho de 2009

KASPAR HOUSER, o FILHO da EUROPA.



Sua história já serviu de enredo para livros, peças de teatros, canções e filmes. É uma história cercada de mistérios.


Dia de Pentecostes, 26 de maio de 1828, na cidade de Nuremberg, dois sapateiros conversam quando vêem aproximar-se uma estranha criatura. Tinha o andar tropeço, vestia-se com roupas grosseiras e dizia apenas duas frases: “Levar pra casa...” e “Eu quero ser um cavaleiro como meu pai...”.


Quando lhe deram um papel e lápis, escreveu em letras grandes KASPAR HOUSER, o nome que seria seu desde então.


Exames médicos comprovaram que se tratava de um ser humano que nunca tinha ficado em pé em toda a vida, completamente sem calos ou deformações de sapatos.


Trazia no bolso uma carta, com diversos erros ortográficos e gramaticais, endereçada “Ao bem-nascido capitão do Quarto Esquadrão do Sexto Regimento da Cavalaria Ligeira em Nuremberg”, que dia o seguinte:


“Estou mandando a você um garoto que implora servir seu rei, este garoto me foi deixado em 7 de outubro de 1812, e eu, um pobre trabalhador diarista, eu mesmo tenho dez filhos, eu tenho o suficiente para fazer, e a mãe do garoto deixou ele somente para ser criado, mas eu não fui capaz de achar sua mãe. (...) Eu criei ele como um cristão e não deixei ele desde 1812 dar um único passo fora da casa assim ninguém sabe o lugar de onde ele foi trazido, e ele mesmo não sabe como se chama minha casa e o lugar ele não conhece também, assim pode perguntar a ele quanto quiser, mas ele não pode te contar, leitura e escrita eu já ensinei a ele e ele pode escrever minha escrita manual como eu escrevo e quando eu perguntei o que ele queria ser, ele disse que queria ser um Schwolische como seu pai era (...). Você só tem que mostrar a ele algo uma vez e ele pode fazer”. (Feuerbach, 1996, p.81).


Todos os que o conheceram ficaram surpresos pela capacidade de aprendizado que o jovem apresentava.


Além da carta, Kaspar trazia em seu bolso um pequeno envelope contendo ouro em pó, um lenço bordado com as iniciais K.H. e uma série de textos religiosos, um dos quais era “A Arte de Recuperar o Tempo Perdido e Anos Mal-Passados”, parecendo referir-se cinicamente à situação.


Sua sensibilidade aos estímulos sensoriais era tão intensa que podia identificar as cores na escuridão mais completa. Seu sentido de visão era tão agudo que, segundo consta, conseguia ler no escuro e ver estrelas durante o dia. Seu olfato era tão aguçado e sua sensibilidade tão extrema que ficou embriagado quando abriram uma garrafa de champagne na sala onde estava.

Sua presença acalmava os animais mais ariscos ou mais ferozes, mais foi perdendo essa característica quando começou a comer carne, coisa que tinha marcada aversão.


Sofreu dois atentados contra sua vida até o golpe fatal em 14 de dezembro de 1833. Em 17 de outubro de 1829, Kaspar foi encontrado com a testa sangrando, resultado de um ferimento com faca, desfechado por um homem encapuzado de preto que apareceu de repente e o golpeou. Em 1831, ele foi ferido na testa outra vez, quando um revolver disparou acidentalmente.

No dia 14 de dezembro de 1833, Kaspar saiu correndo do parque, mortalmente ferido por outra punhalada que atingiu o coração, um pulmão e o fígado, um golpe brutal, de extraordinária violência. A polícia deu uma busca no parque, mas não achou a arma, o mistério aumentou ainda mais, porque os policiais encontraram apenas as pegadas de Kaspar na neve. Ele morreu três dias depois como um verdadeiro mártir, nenhuma queixa, nenhuma palavra amarga poluiu seus últimos instantes.


Suas últimas palavras foram: "Muitos gatos são a morte para o rato” e “Cansado, muito cansado: ainda tenho que fazer uma longa viagem...”.


“...era uma alma repleta de bondade e suavidade infantis... em todo o sentido imaculada e pura como o reflexo da eternidade da alma de um anjo...”. (Feuerbach)


No YOUTUBE você encontra o filme O Enigma de Kaspar Houser (Herzog - 1974), segue a primeira tela de 11.


segunda-feira, 15 de junho de 2009

O salto



Pulo no escuro do dia
e nas incertezas das verdades impostas.
É louco o que diz saber tudo
e mais louco o que não quer perder.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Nascer do Sol



Somente quando não amamos

podemos acreditar que os poetas

sabem descrever a paixão verdadeira;

assim que o sol nasce, todas as estrelas

que haviam até então brilhado desaparecem

no céu. Os poetas existem apenas durante

a noite do coração, nada mais podem

dizer-nos quando sentimos o sol nascer.


Lord Lytton


terça-feira, 9 de junho de 2009

alienado

A loucura é uma questão de exposição.
Quatro paredes me protegem.
Torporificado, quieto.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

EU era UM, e era TUDO



Era um fim de tarde maravilhoso, o céu de outono, com seus matizes psicodélicos tinham o poder de tocar a alma, uma pincelada que acalentava o coração e fazia esvaziar a mente.

Deitado na grama, ao lado da grande figueira onde os pássaros bailavam e entoavam em uníssono seu canto de louvor, sentia toda essa grandiosidade em meu ser. Um torpor ia tomando conta de todo meu corpo e me deixei levar em devaneios desenfreados.

Voava por entre sonhos, por entre imagens desconhecidas. Tudo que tinha aprendido até então não fazia o menor sentindo, era como a criança em seus primeiro passos, inseguro, cambaleante e tropeço. E com toda essa fragilidade, me sentia forte, convicto, sentia que era para frente que deveria seguir, buscar o próximo passo a todo custo, considerando os tropeços como à busca do equilíbrio perdido.

Uma leve brisa tocou meu rosto e era como um toque materno, os cheiros despertavam novas sensações, inebriantes e completamente inesquecíveis.

Podia ouvir a música do dia abrindo espaço para encantadora música da noite e totalmente entregue abandonei meu corpo, eu era o vento, as nuvens, o bater de assas dos pássaros, os pensamentos de uma criança, me sentia puro, limpo, como a folha branca que espera passivamente a próxima idéia que irá transformar sua essência imaculada.

Eu era o ponto, o risco, a figura transformada, um reflexo pervertido na ondulação do grande lago.


EU era UM, e era TUDO.


As Seis Fornalhas



Sou teu fogo
Corpo apodrecido por mil drogas
Teus pés pisam sobre ti à tua busca
Estas portas e rostos desconhecidos
Quem sabe quando desvenderás?
Talvez se demorares ainda na
busca das seis fornalhas, reconhecerás
aquele que te persegue em
cada espelho.
Um lobo e um cão lutam até
a morte em teu ventre, deles escorrerá
sangue consolador, teu rosto será
acariciado por leve brisa e teus pés
molhados pela maré da lua.



Lucas Van Leida