segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O Eremita e o Opúsculo



Vejo o meu reflexo na velha poça de lama e não consigo definir seu contorno, uma imagem ababelada turva minha visão, obliterando minha garganta que arde pela fumaça do incenso. É horrível esse som que fere meus tímpanos impetuosamente, são longas horas de espera pelo silêncio, já estou de pé, na beira do precipício, pronto para me lançar de peito aberto e não espero que Zéfiro venha me salvar. Cansei de esperar pelo velho que vem ao meu encontro, consigo ver sua silhueta entre a neblina, mais seu caminhar é lento, vetusto, levantando pouca poeira e não deixando nenhum rastro. A ave que voa ao longe emite um arrulho que desperta minha atenção, será que me traz alguma mensagem e que mensagem poderá ser? Meus olhos acompanham seu vôo que circunavega seu mar de nuvens sobre minha cabeça de uma altura que mal posso ver seu bater de asas. Enquanto estou perdido nesse devaneio, não vejo que o velho se aproximou de mim a ponto que se esticar meu braço posso tocá-lo. Ele para, levanta levemente sua cabeça e por entre seus últimos fios de cabelos vejo a aflição de seus olhos, percebo o esforço para levantar a mão e me entregar um opúsculo. Antecipo-me ao seu esforço e caio prostrado na sua frente segurando o pequeno e pesado objeto, resoluto em olhar seu título, mas é inevitável saber, uma voz sussurrada permeia o ar e sopra a tradução escrita em caracteres incompreensíveis para mim: viva, isso é tudo, é a lei!