quinta-feira, 22 de março de 2012

Belo.




"Como beleza, designarei o que parece completo. O incompleto ou o mutilado é totalmente feio. A Vênus de Milo. Uma criança achá-la-ia feia. Se um espírito puro a imagina completa, tornar-se-á bela. Uma mão concebida sob o ponto de vista de uma mão pode parecer bela. Abandonada sobre um campo de batalha, já o não é. Mas tudo o que nos cerca é uma parte de qualquer coisa, e esta parte de outra: neste mundo não há nada belo, só as aparências são intermediárias entre a beleza e a fealdade. Só a universalidade é completa, só o completo é belo."

Charles Fort

segunda-feira, 5 de março de 2012

Descobrir outro mundo...



"Por vezes, as fronteiras resvalam ou interpenetram-se: basta estar presente nesse momento. Vi o fato acontecer a um corvo. Esse corvo é meu vizinho: nunca lhe fiz mal algum, mas ele tem o cuidado de se conservar no cimo das árvores, de voar alto e de evitar a humanidade. O seu mundo principia onde a minha vista acaba. Ora, uma manhã, os nossos campos estavam mergulhados num nevoeiro extraordinariamente espesso, e eu dirigia-me às apalpadelas para a estação. Bruscamente, à altura dos meus olhos, surgiram duas asas negras, imensas, precedidas por um bico gigantesco, e tudo isto passou como um raio, soltando um grito de terror tal que eu faço votos para que nunca mais ouça coisa semelhante. Esse grito perseguiu-me durante toda a tarde.
Cheguei a consultar o espelho, perguntando a mim próprio o que teria eu de tão revoltante...
Acabei por perceber. A fronteira entre os nossos dois mundos resvalara, devido ao nevoeiro. Aquele corvo, que supunha voar à altitude habitual, vira de súbito um espetáculo espantoso, contrário, para ele, às leis da natureza. Vira um homem caminhar no espaço, mesmo no centro do mundo dos corvos. Deparara com a manifestação de estranheza mais completa que um corvo pode conceber: um homem voador....
Agora, quando me vê, lá do alto, solta pequenos gritos, e reconheço nesses gritos a incerteza de um espírito cujo universo foi abalado. Já não é, nunca mais será como os outros corvos...

Loren Eiseley