quarta-feira, 18 de junho de 2014

Noite Estrelada




Contemplei ao longe um grande ideal — e lá se foi o sossego de minh'alma.

Nunca mais estarei quite comigo mesmo...

Sempre atuará a gravitação do espírito...

Entrou-me no sangue da alma uma angústia cruel...

Sempre oscilará o heliotropismo do meu ser...

Lavra-me no íntimo incêndio roaz...

Feliz do homem profano — satisfeito consigo e com todo o mundo — esse infeliz!

Infeliz do iniciado — insatisfeito consigo mesmo — esse feliz!...

Aquele não conhece esfinges em pleno deserto — não conhece problemas...

Sorri-lhe o dia perene do seu plácido viver...

Mas o homem que pensa e ama — vive num ambiente de estranha agitação.

A sua noite é noite estrelada, sim — mas a treva é profunda e as estrelas altíssimas...

Todo pensar nos faz inquietos — todo querer nos abre saaras imensos.

Todo viver oscila entre o Getsêmani e o Gólgota...

Todo amor agoniza entre os braços da cruz...

Entretanto, melhor é o inteligente sofrer — que o estúpido gozar...

Prefiro gemer numa noite estrelada — a sorrir num dia sem mistérios...

Prefiro sentir o que adivinho — a dizer o que ignoro...

Prefiro escutar a filosofia do silêncio fecundo — a ouvir a sociologia do ruído estéril...

Mais belos são os mundos que, incertos, entrevejo — que a terra que imediatamente enxergo...

Creio mais no muito que ignoro — do que no pouco que sei...

Mais firme é a minha fé num universo ideal — do que esse cosmos real...

Mais me aliciam ignotos horizontes — do que realidades palpáveis...

Bandeirante do além — não repousa meu espírito na querência do aquém...

Não me interessa o que sei — seduz-me o que ignoro...

Mesquinho é o passado, trivial o presente — como me encanta o futuro!...

Contemplei ao longe um grande ideal — e lá se foi o sossego de minh'alma!...

Nunca mais terei sossego de mim mesmo...

Nunca mais estarei quite comigo...

Devedor insolvente — enquanto viver...

Empolgou-me a noite estrelada do Infinito...

Rebelaram-se as potências dormentes...

Impossível um tratado de paz...

Adoro, ó noite estrelada, teus astros longínquos!...

Por eles vivo... Luto... Sofro... Feliz...


Huberto Rohden

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