sexta-feira, 26 de junho de 2009

EVOLUÇÃO



Os fracos herdarão a Terra, mas não no sentido que queria a Bíblia, como prêmio à humildade e à contemplação. É que só os miseráveis de hoje estão preparados para enfrentarem qualquer crise. Eles estão treinando há gerações.


Pense um pouco. Quem tem mais possibilidade de agüentar uma crise total de combustível? Os pedestres, é claro. Os carroceiros. Algumas tribos nômades.


Você e eu, acostumados ao carro particular, ao táxi, ao ônibus seletivo e à carona — ao transporte automotor, enfim — não saberemos mais andar. Não teremos nenhuma chance contra quem se criou em filas do INPS e correndo para bater o ponto. Chegaremos, invariavelmente, por último, nos queixando dos calos.


E a crise de alimento? Quando só houver arroz, feijão e um pouco de farinha para cada cidadão, quem terá estômago para agüentar? Quem se acostumou desde pequeno, claro. Os subnutridos natos. Prevejo os hospitais cheios de novos-pobres sendo atendidos por saudáveis favelados.


— Tome a sua sopinha de aipim, vamos. O aipim é deste ano.

Eu mesmo lavei.


— Argh!


— Hoje ela tem até um pouquinho de sal. Coragem...


As forças vivas de hoje serão os marginais de amanhã. Associações de lavadeiras farão chás de capim beneficentes em prol das damas de sociedade com insuficiência calórica. Ex-zeladores de carro darão pequenas gorjetas e executivos para ficarem cuidando das crianças enquanto eles saem para fazer biscates. Os líderes desta nova sociedade serão os catadores de lixo — ou Técnicos em Reciclagem, na nova nomenclatura. O que descobrir mais coisas reaproveitáveis no meio do lixo será aclamado Homem de Visão do ano, com direito a um carroção particular puxado por três parelhas de profissionais liberais.


Cada privação criará a sua elite. Com a falta de energia elétrica teremos a ascensão dos ladrões, acostumados a andar no escuro. A crise da habitação favorecerá os que vivem embaixo de pontes. Estes venderão seu know-how financiado, mas a correção monetária será demasiada e haverá uma onda de despejos, para dentro do rio. Comece, portanto, a tratar melhor os miseráveis. Dê altas esmolas. Corteje os seus empregados. Seja caridoso. E se você é daqueles que dizem — “Não sei como essa gente consegue sobreviver” — procure descobrir e decore tudo. Para eles a crise sempre existiu. Eles têm uma prática!


Luís Fernando Veríssimo


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