segunda-feira, 22 de junho de 2009

Vida em Manchetes



Viu só? Caiu outro avião.

- É. Desta vez foram 85 mortos.

- Já tomei uma decisão: nunca mais entro em avião.

- Bobagem.

- Bobagem é morrer.

- Então não entra mais em carro, também. Proporcionalmente, morrem mais pessoas em acidentes de...

- Mas não entrar em automóvel eu já tinha decidido há muito tempo! Você não notou que eu ando mais magro? É de tanto caminhar.

- Você caminha por onde?

- Como, por onde? Pela calçada, ué.

- Dá todo dia no jornal. “Ônibus desgovernado sobe na calçada e colhe pedestre. Vítima tinha jurado nunca mais entrar em qualquer veículo.” A chamada ironia do destino.

- Quer dizer que calçada...

- É perigosíssimo...

- O negócio é não sair de casa.

- E, é claro, mandar cortar a luz.

- Por que cortar a luz?

- Pensa num dedo molhado e distraído na tomada do banheiro. “Caiu da escada quando trocava lâmpada. Fratura na base do crânio.”

- Está certo. Corto a luz.

- “Tropeça no escuro e bate com a têmpora na quina da mesa. Morte instantânea.” E você vai cozinhar com quê?

- Gás.

- Escapamento. “Visinhos sentiram cheiro de gás e forçaram a porta: era tarde.” Ou: "Explosão de botijão arrasa apartamento.”

- Fogareiro a querosene.

- “Tocha humana! Morreu antes que...”

- Comida enlatada fria.

- Botulismo.

- Mando comprar comida fora.

- Espinha de peixe na garganta. Ossinho de galinha na traquéia. “Comida estragada, diarréia fatal!”

- Não preciso de comida. Vivo de injeções de vitamina...

- Hepatite...

- ... e oxigênio

- Poluição. “Autópsia revela: pulmão tava pior que saco de café.” Estrôncio 90 francês.

- Vou viver no campo, longe da poluição, do trânsito...

- Picada de cobra. Coice de Mula. Médico não chega a tempo.

- Não saio mais da cama!

- Está provado: 82 por cento das pessoas que morrem, morrem na cama. Não há como escapar.

- Mas eu escapo. A mim eles não pegam. Tenho um jeito infalível de escapar da morte.

- Qual é?

- Eu vou me suicidar.


Luís Fernando Veríssimo


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